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Dalaman desperta preguiçosa, e não sem motivo. Vinte e duas horas de viagem deixaram marcas, a noite foi curta e o sono leve. Mas o dia não espera. O primeiro encontro está à porta e os representantes da Associação Nó Górdio respondem ao chamamento, ainda que com olhos semicerrados e um bocejo mal disfarçado.
As apresentações começam à entrada do autocarro que nos leva à escola anfitriã. Há um instante de hesitação – cumprimenta-se com um beijo ou com um aperto de mão? O desconforto inicial dissolve-se na partilha de olhares cúmplices e sorrisos cautelosos. A estrada avança, e com ela, a certeza de que os primeiros laços já começam a formar-se.
A sala enche-se aos poucos, um mosaico de línguas e sotaques. Costa, o mediador, toma a palavra com a segurança tranquila de quem sabe que as apresentações são sempre os primeiros degraus de uma longa escada. Ao seu lado, o anfitrião Erhan observa tudo com atenção, como quem lê nas entrelinhas da linguagem corporal.
Ao almoço, o cansaço dá lugar à descontração. As palavras fluem mais soltas, as histórias misturam-se e, entre um prato e outro, surge um espetáculo inesperado: malabarismos com copos. Entre risos e pequenas acrobacias improvisadas, o gelo quebra-se de vez.
A tarde traz um mergulho mais profundo. “In the Other Shoes!” convida a sentir o mundo através de outra perspetiva. Não se trata apenas de imaginar, mas de experimentar. Por um instante, cada um carrega um peso que não é o seu, veste uma pele que não lhe pertence. E nesse jogo sério de trocas e silêncios, nasce um entendimento que não se aprende – sente-se.
Com o sol a dissolver-se no horizonte, um passeio a pé pela cidade encerra o dia. As ruas de Dalaman, antes estranhas, agora parecem familiares. Os passos são mais leves, as palavras mais fáceis. Amanhã há mais. Mas hoje, já há um caminho para onde voltar.
Segundo dia – 03 de março
Acordámos na casa do lago, Dalaman. O barulho ao longe é de aviões a descolar e ao perto de animais que cantam pela noite fora.
O motorista do autocarro espera pacientemente os participantes mais atrasados, é do Galatasaray, fica super feliz quando lhe digo que fui ver um jogo da sua equipa. São assim os turcos, por vezes não conseguem conversar connosco mas adoram receberem nos bem.
Seguimos para o local das atividades, uma escola, aonde somos recebidos com muito entusiasmo pelos estudantes locais, adoram as novas caras que vêm de todos os cantos da Europa. De repente, sem que ninguém pronuncie uma palavra em comum, já estamos a jogar voleibol com eles, são muito acolhedores.
Seguimos para a primeira atividade do dia, aonde visitámos o responsável pela educação do distrito de Dalaman, são 43 escolas e 7000 alunos, mas encontra tempo para nos responder a perguntas sobre o sistema educacional turco.
O dia prossegue, hoje almoçamos na cantina da escola, nada como as portuguesas, parece um café aonde nos servem um kebab de frango a cada, estava excelente.
A tarde começa com foco no tema do projeto, empreendedorismo e inclusão social aonde criámos um negócio com impacto social na sociedade.
O dia termina com noite intercultural da Bulgária e da Macedónia do Norte, explicam a história e os costumes dos seus países, dão-nos a provar da sua comida e por momentos é possível imaginar que viajámos a outro país.
Terceiro dia – 04 de março
Acordámos na casa do lago, em Dalaman, ao som da chamada para a reza, misturada com o chilrear dos pássaros, o farfalhar das árvores e um coro de rãs que pareciam discutir questões filosóficas profundas. Se havia um líder entre elas, era certamente a que coaxava mais alto, exigindo melhores condições de lama e um sindicato mais forte.
Seguimos para a escola em Dalaman, onde as atividades do dia nos esperavam. Começámos com as apresentações das instituições de onde viemos. Cada grupo partilhou o seu trabalho e, entre discursos bem preparados e improvisações nervosas, todos conseguimos parecer minimamente profissionais – pelo menos até alguém se esquecer do nome da própria organização.
Depois, fomos surpreendidos com um momento de cultura e exercício físico involuntário: a dança tradicional turca. Sem tempo para preparar a dignidade, fomos empurrados para o meio da roda. Alguns abraçaram a experiência com entusiasmo, outros tentaram acompanhar sem torcer um tornozelo. No final, descobrimos que a linguagem da dança é universal, tal como o embaraço coletivo.
O almoço trouxe uma revelação inesperada: sardinhas! Sim, a Turquia também aprecia este prato, o que nos fez sentir em casa. Entre garfadas e tentativas de evitar espinhas, ficámos a pensar se não estaríamos afinal num festival gastronómico secreto.
A tarde foi dedicada a um debate sobre minorias, onde discutimos inclusão e empreendedorismo. Foi um momento de troca de ideias valiosas, ainda que alguns olhares distantes sugerissem que a digestão pós-sardinha estava a travar o raciocínio. Depois, lançámo-nos na missão cinematográfica do dia: criar vídeos sobre negócios turcos. Alguns filmaram entrevistas inspiradoras, outros focaram a economia local, e houve quem acidentalmente gravasse cinco minutos de um gato a observar a câmara – uma curta-metragem premiável, sem dúvida.
Para fechar o dia, a Letónia tomou conta da noite cultural. Entre danças tradicionais e explicações sobre costumes locais, lá nos atirámos para a pista com um entusiasmo que compensava a falta de jeito. Se não ficámos mais cultos, pelo menos fizemos exercício.
Mas a melhor parte veio à noite. Reunimo-nos à volta da fogueira para um momento de jogos e inteligência. O clássico “How many … are there?” começou de forma inocente, mas rapidamente se transformou numa cena digna de um faroeste. Cada pergunta era acompanhada por um ritmo acelerado de palmadas nas pernas, simulando o trote de cavalos a atravessar a pradaria. “Quantos dos presentes realmente perceberam este jogo?” – TUM-TUM-TUM! O espírito de cavaleiros errantes apoderou-se do grupo, e mesmo quem já não sabia bem o que estava a contar continuava a bater nas pernas com convicção.
E, claro, não podia faltar o misterioso “I can go to… but I can’t go to”. Um jogo que, para os iniciantes, parecia uma atividade inocente e rapidamente se tornou um enigma frustrante. “Posso ir a Portugal, mas não posso ir à Russia.” – as tentativas de decifrar a lógica escondida geraram um misto de desespero e gargalhadas. Uns desistiram ao fim de cinco minutos, outros continuaram obstinados, determinados a encontrar o padrão… e, no fim, ninguém sabe bem se alguém descobriu o enigma, mas todos nos divertimos.
E assim terminou mais um dia em Dalaman – com danças, descobertas e um grupo de rãs que, sem dúvida, continuava o seu protesto noturno. Amanhã, há mais!
Quarto dia – 05 de março
Ainda o sol se espreguiçava sobre Dalaman quando nos dirigimos ao gabinete do senhor Sezer Durmuş, presidente da câmara. A primeira surpresa do dia: a câmara municipal instalada dentro de um centro comercial. Um detalhe inesperado, quase insólito, que marcava o tom da manhã. Ensaiámos uma passagem pelo detetor de metais, mas, num gesto que oscilava entre a confiança e a informalidade, fomos convidados a contornar a formalidade e seguir caminho.
O ambiente era um misto de protocolo e hospitalidade turca, esse equilíbrio entre o rigor institucional e o calor humano. Serviram-nos chá, o primeiro de muitos, que aqueceu as mãos e abriu espaço para a conversa. Como manda a tradição, recebemos lembranças de Dalaman, pequenos objetos que simbolizavam o encontro e a cortesia do momento.
Entre papéis e quadros com figuras de anteriores presidentes, discutimos as preocupações ambientais, o turismo, os desafios da autarquia e a economia, esse equilíbrio instável entre a tradição e a modernidade. O autarca falava com a convicção de quem vê longe, de quem entende que as decisões do presente moldam o futuro.
De Dalaman seguimos para Fethiye. Uma cidade encostada à costa sudoeste da Turquia, de braços abertos para o mar. A baía recortada por enseadas de águas cristalinas, os barcos balançando levemente ao sabor da brisa, as montanhas erguendo-se ao fundo, como se guardassem a cidade num abraço silencioso.
A marina, entregue à calma da época baixa, convidava à contemplação. Nos cais, cafés e restaurantes descansavam, num compasso de espera pelo rebuliço do verão. Nos mercados, o cheiro das especiarias misturava-se com o pregão dos vendedores, mas até ali o ritmo parecia mais lento, sem pressa, como se a cidade estivesse a respirar fundo antes do regresso da azáfama.
Durante a tarde, seguimos para Göcek. A estrada levava-nos a um refúgio tranquilo, um segredo bem guardado, um pequeno paraíso de serenidade. Em Göcek, o inesperado aconteceu, uma viagem quase forçada num veículo elétrico passava junto à marina. As meninas tentaram recusar, hesitaram mas sem grande margem de manobra, porque o Professor Rui Já se tinha instalado no seu interior, lá seguimos. O embaraço era geral, mas a resignação rapidamente deu lugar ao riso, enquanto o pequeno veículo serpenteava pela marina, entre visitantes descontraídos e olhares curiosos.
A marina estava calma, entregue à lentidão dos dias de época baixa. Os veleiros ancorados refletiam-se nas águas tranquilas, imóveis, como se aguardassem pacientemente pelo regresso do verão e dos viajantes apressados. Aqui, o tempo corre devagar. A noite instalava-se suavemente, desenhando sombras longas sobre a vila adormecida. E nós, entre conversas e silêncios cúmplices, soubemos que há lugares que nos ficam na memória. Göcek era um deles.
O dia terminaria com a noite cultural portuguesa, um momento de partilha e orgulho. Levámos um pouco de casa connosco: queijo, vinho do Porto, sumos e doces tradicionais. Foram provados com curiosidade, saboreados com interesse. O fecho da noite foi sublime: o fado, bem cantado, e ainda melhor tocado à guitarra clássica. As cordas vibraram num lamento que encheu a sala, levando-nos, por instantes, para as vielas de Lisboa, para a saudade que se canta e se sente. Foi uma celebração, um abraço entre culturas, um instante de universalidade onde, por breves momentos, fomos todos parte da mesma melodia.
Quinto dia – 06 de março
A última sessão temática do programa Social Inclusion through Entrepreneurship teve lugar na Universidade de Muğla, onde sotaques e perspetivas se misturaram num caldo fértil de ideias. Portugueses, búlgaros, macedónios, turcos e alemães, todos ali, sentados em redor do conhecimento, como se à volta de uma fogueira antiga.
O Prof. Dr. Bilal Duman abriu a sessão, espalhando sabedoria como quem lança sementes ao vento. Falou de construtivismo, da aprendizagem baseada no cérebro, do poder do storytelling digital e da fina teia que liga inteligência emocional, criatividade e empreendedorismo. Um mapa de ideias que, bem seguido, poderia levar ao verdadeiro sentido da inclusão.
Depois vieram as apresentações. Cada qual com a sua história, cada qual com o seu pedaço de mundo. Educadores, empreendedores sociais, agentes culturais, especialistas em inovação educativa. Entre gestos, olhares e palavras, foi-se percebendo que a inclusão se faz não apenas com políticas e metodologias, mas com gente que acredita, que insiste, que não desiste.
Kostandin Runchev assumiu o palco seguinte. O Erasmus+ foi o seu tema, mas não um mero programa europeu de financiamento. Não. Ali, soava mais a um convite para redesenhar futuros, para abrir portas onde antes só havia paredes. Oportunidades, histórias de sucesso, caminhos possíveis – tudo ali, à distância de uma boa ideia e da coragem de a pôr em prática.
A tarde fechou-se com uma visita aos corredores da universidade. Passos ecoando entre paredes que guardam ecos de perguntas e respostas, salas onde se desenham os dias de amanhã, projetos que tentam dar corpo ao impossível. Trocaram-se impressões, desenharam-se possibilidades. Ficou, no ar, a certeza de que a academia não é apenas um refúgio para o pensamento, mas uma plataforma de lançamento para o que vem a seguir.
No regresso a Dalaman, o autocarro desviou-se para o bazar local, que afinal era apenas uma feira improvisada, metida debaixo de um telhado de chapas de zinco estaladiças. Bancas alinhadas com fruta reluzente, especiarias que se entranhavam na pele, tecidos garridos e, claro, as inevitáveis roupas contrafeitas a preços que faziam rir de incredulidade. Negócios fechados num piscar de olhos, gestos largos, vozes cruzadas em mil línguas. Uma Babel sobre rodas.
E depois, a recompensa. O mar Egeu esperava-nos, quente e dourado pelo pôr do sol. Portugueses, alemães e lituanos mergulharam como quem se livra do peso do dia. A água abraçou-os, dissolvendo o cansaço, embalando ideias, renovando promessas.
Regressámos de pele salgada e espírito desperto, certos de que a educação e o empreendedorismo não são apenas conceitos – são mapas para novos mundos.
A noite cultural turca teve lugar na casa nº 1 do lago, residência dos portugueses, sempre acolhedores, como é da sua essência. E ali, entre conversas e sorrisos, a jornada foi mais uma vez celebrada, num abraço de culturas que não se fecham, mas se entrelaçam.
Sexto dia – 07 de março
O sol nasceu suave sobre a Turquia. Era um dia especial. O último capítulo de uma aventura que começou com expectativas e incertezas, mas que agora se transformava em memórias inesquecíveis.
A manhã foi marcada por um momento simbólico: a entrega dos certificados Youthpass. Cada papel representava mais do que um documento – era a prova concreta de tudo o que tínhamos aprendido, vivido e compartilhado durante este Erasmus. Ao receber o certificado, era impossível não refletir sobre a jornada. As barreiras que superamos, os amigos que fizemos, os choques culturais que, no fim, nos ensinaram tanto. E, acima de tudo, o quanto crescemos como pessoas.
Mas o dia não era apenas de despedidas; ainda havia tempo para aproveitar ao máximo o que a Turquia tinha a oferecer. E que melhor maneira de fazer isso do que na praia? O cenário era quase surreal: rochas quente sob os pés, o mar azul à nossa frente e, ao fundo, uma montanha coberta de neve. Parecia que dois mundos completamente opostos se encontravam ali, exatamente como nós – um grupo de pessoas de diferentes países, culturas e histórias, unidos por esta experiência. Entre mergulhos, risadas e tentativas desajeitadas de apanhar aquela paisagem incrível em fotos, sabíamos que estávamos a viver um daqueles momentos que ficam para sempre.
Quando o sol começou a despedir se no horizonte, chegou a hora do nosso último jantar juntos. A mesa estava farta, não só de comida deliciosa, mas de conversas animadas e olhares cúmplices que diziam: “vamos sentir falta disto”. Entrepromessas de reencontros futuros, ficou claro que, apesar de ser a última noite, esta experiência nunca terminaria de verdade. O Erasmus não era apenas um projeto; era um capítulo que levávamos conosco, para sempre.
E assim, sob um céu estrelado e corações cheios, fechámos essa jornada da melhor maneira possível: juntos.